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A força do território: memória e criação artística na 2ª palestra do Incentivarte

  • Foto do escritor: Incentivarte
    Incentivarte
  • 23 de out.
  • 3 min de leitura
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Memória da Cidade: o Território como Espaço de Criação Artística foi o eixo da 2ª palestra do Incentivarte, realizada em 22/10, conduzida pelo ator, diretor e professor Lucas Fabrício, no CAC Matadouro. Num encontro intenso e próximo, o artista propôs uma imersão nas relações entre arte, memória e território, tendo Nova Lima como ponto de partida — e de retorno. A partir de histórias, espaços urbanos e marcas da mineração, a conversa abriu veredas para ressignificar o que a cidade foi, é e pode vir a ser quando a imaginação se alia à experiência vivida.


Desde o início, a condução buscou aproximar a criação artística daquilo que se inscreve na pele da cidade e nas biografias dos moradores. Lena Cunha, curadora do projeto, avalia que “o encontro com o Lucas Fabrício trouxe aos residentes a busca da memória e o entendimento do território como espaço de criação artística, construindo um mapa, uma cartografia sensível do lugar — de onde eles estão e para onde vão — por meio de desenhos, rodas de conversa e apresentação de vídeos.”


Para ela, a força do encontro esteve, sobretudo, na proximidade: “Foi muito dinâmico, com um diálogo muito próximo, porque todos atuam no mesmo território e têm Nova Lima como espaço de criação. A partir de histórias, memórias e relações afetivas, esse trabalho conduziu o percurso formativo, ampliando a capacidade de relação entre os residentes, na criação da residência e também na cidade e nas relações profissionais.”


A leitura do território que Lucas propôs não se restringiu a conceitos, se materializou em imagens, arquivos pessoais, cruzamentos de lembranças familiares e gestos de cena. Ao evocar fotografias de família, curiosidades íntimas e memórias do cotidiano, o artista revelou camadas comuns a tantas trajetórias locais atravessadas pela mineração, das casas parecidas às ocupações, dos sotaques às expectativas de vida. Para Marcela Souza, bolsista de Literatura, o Lucas é um dos grandes “ouros” da cidade. “Bastou um grande artista local para movimentar nossa cabeça. A gente já conhecia o trabalho dele e ele veio por uma demanda do grupo, e conseguiu organizar a mensagem de um jeito que impactou todas as áreas, como investigação familiar, fotos, uma realidade muito próxima, e como as famílias são muito parecidas, vêm da mineração, até as casas se parecem aqui em Nova Lima.”


Por meio de sua pesquisa acadêmica, Lucas também trouxe a figura da vadiagem, do “à toa”, do tempo não capturado pela produtividade, para repensar a criação. A provocação ressoou no grupo. “Esse ponto de vista, levando a discussão para a academia e trazendo de volta para a cidade, foi muito interessante para mim como artista. Me deu confiança”, conta Marcela. Esse atravessamento ganhou corpo quando Lucas apresentou o modo como divulga e apresenta seus trabalhos: assumindo publicamente pertencimentos e vizinhanças, “filho de fulano, morador de tal lugar”, contra a idealização de uma vanguarda desprendida do chão. É a arte como gesto de vizinhança e reconhecimento, em que o criador se sabe parte da trama que deseja interpelar.


A imaginação a partir da realidade foi talvez a faísca mais encantadora do encontro. Ao exibir fotos com acessórios de ouro, colares e referências ameríndias, Lucas tensionou a contradição de um território exaurido pela exploração do minério em que, paradoxalmente, quase não se vê o ouro. E deixou uma pergunta no ar: e se fosse diferente? Outras estéticas, outros passados, outros futuros. “Nova Lima tem um pouco essa sensação de que o passado foi tão duro que a gente perde a perspectiva de imaginar outros cenários. Eu tendo a escrever muito sobre o passado, logo, aquela simples imagem de pessoas com ouro me levou para realidades paralelas”, diz Marcela. A hipótese estética vira exercício artístico: imaginar abre respiros para reinventar os signos da cidade.


O encontro terminou com a sensação de que a cidade, quando lida como arquivo vivo, não empurra a arte para trás, ela a projeta. O mapa que se desenhou ao longo da noite não foi o do Google, mas o de uma cartografia sensível que combina traços, lembranças, brincadeiras, lacunas e desejos. Como destacou Lena Cunha, “essa costura fortalece o percurso formativo do Incentivarte porque alimenta tanto a criação individual quanto os vínculos coletivos que sustentam a cena”.


Ator, professor e diretor de Teatro e Cinema, doutorando em Artes pela UFMG, Lucas Fabrício integra o CAC Matadouro e mantém uma trajetória que une prática artística e pesquisa sobre território e memória. Dirigiu os espetáculos “Aquela que eu não fui” (2023) e “Banho de Chuva” (2025), além do curta-metragem “Encantarias” (2025). Em Nova Lima, sua presença aciona o que há de mais potente no encontro entre criação e pertencimento: a cidade como matéria e parceira de invenção — e a imaginação como ferramenta para atravessar tempos, reconfigurar símbolos e reencantar o cotidiano.


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